segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Traços jovens de dona Teresinha na tela do mestre Guignard

O quadro ficou abandonado no porão da casa, pregado sem dó nem piedade na parede, até quatro anos atrás, quando Teresinha contou o caso ao seu vizinho, o artista plástico e restaurador José Efigênio Pinto Coelho. Interessado pela história, ele ficou curioso e tratou de ver a obra. “O quadro estava envolto num plástico, respingado de caiação. Passei a mão sobre a poeira e pude, assim, ver um rosto”, conta José Efigênio. Com ajuda de martelo e chave de fenda, conseguiu desprender a pintura, retirou o plástico e notou respingos de outras tintas sobre a tela. Ao seu lado, ouviu Teresinha dizer: “Não gosto deste retrato, não sou eu. Repare esta boca!”.
Diante do quadro do mestre Guignard, José Efigênio fez a proposta: “Quer vender?”. Ao receber o sim como resposta, levou a tela para casa, tendo, antes, o cuidado de contar ao marido de Teresinha sobre a aquisição. “Não é meu, é dela, pode levar”, escutou José Efigênio, que escreveu a história e vai publicá-la no livro O voo das tartarugas. No ateliê, José Efigênio restaurou a tela e conseguiu retirar uma camada de tinta azul que escondia a Igreja de São José, pintada em 1961. Não há assinatura do autor, o que, segundo especialistas, nem sempre era usual por parte do modernista. Há, num canto, diz José Efigênio, apenas a letra “G com um ponto”.

A repulsa, mesmo à distancia, perdurou. Mas, na quinta-feira, o artista plástico resolveu mostrar o quadro, recuperado, à ex-proprietária e fonte inspiradora. No início, a simpática Teresinha, que traz ao peito uma cruz e é muito católica, mostrou certa frieza para com a tela diante dos seus olhos. Mas, novamente, conversa vai, conversa vem, e ela foi se reconciliando, aos poucos, com o retrato. De cabelos pretos aos 18 anos, e com os fios claros e bem cuidados quase 50 anos depois, ela constata que mantém o mesmo corte, penteando-os da esquerda para a direita. Escuta a opinião de quem está na sala, de que o brilho do olhar é o mesmo da juventude, e lembra ainda que, muitas vezes, os filhos insistiram para que voltasse com a obra para a sala. No fim, para surpresa geral, demonstra que começa a aceitar e nem se incomoda de posar, na sua janela, ao lado dela. “Este quadro ficará para sempre em Ouro Preto”, garante José Efigênio.

Nos passos do artista - Para quem quiser conhecer os lugares queridos do pintor em Ouro Preto, o Museu Casa Guignard oferece um roteiro, com mapa. O diretor Gélcio Fortes explica que o objetivo do projeto Passos de Guignard é chamar a atenção para a cidade e também para a obra do artista. A expectativa é de que, no ano que vem, todos os pontos desse museu aberto sejam identificados com placas. "Isso dará, diz Fortes, oportunidade a moradores e visitantes de conhecerem melhor os lugares que se tornaram tema de pinturas e desenhos e onde o artista trabalhou".

O roteiro inclui, entre outros, o Largo de Antônio Dias, as igrejas de Nossa Senhora do Carmo, Santa Efigênia, Grande Hotel (lugar em que se hospedava em longas temporadas), Mirante das Lajes, Largo da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, Igreja de São Francisco de Assis, Passo da Ponte Seca, Ponte do Rosário e Capela de São Sebastião até o caminho de Lavras Novas, um dos passeios preferidos de Guignard.

(Por Gustavo Werneck - jornal O Estado de Minas, em 22/08/2010)

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